Armas brancas que valem ouro

Punhal produzido na fábrica de Zlatoust no início de século 20 Foto: TASS

Punhal produzido na fábrica de Zlatoust no início de século 20 Foto: TASS

Fábrica de Zlatoust conseguiu reunir armeiros em um grande monopólio de artistas.

Desde os tempos imemoriais que os armeiros russos são famosos por suas armas brancas: suas espadas, sabres e shashkas, sempre de excelente qualidade, ganharam fama muito além das fronteiras da Rússia.  No final do século 17, os fabricantes russos começaram a produzir armas de fogo, mas as armas brancas se mantiveram como parte importante de suas atividades.

Até o início do século 19, as empresas russas não se especializavam em nenhum tipo particular de arma – faziam de tudo ao mesmo tempo. Essa opção parecia justificada, pois a tecnologia de preparação dos diferentes tipos de armas coincidia, e construir fábricas especializadas só em lâminas não parecia ser uma atitude muito racional.

As coisas permaneceram assim até a eclosão das guerras napoleônicas: até então, o Império Russo não tinha estado sob tal pressão militar. Foram 15 anos de guerras praticamente incessantes contra a então poderosíssima nação europeia e seu imenso exército. Todos os esquemas antigos de organização das tropas e abastecimento de armas pareciam inúteis. O problema não estava apenas no fato de não existir um apelo que conseguisse reunir um número suficiente de soldados. Era preciso armá-los.

Na época, só existiam quatro fábricas de armas na Rússia. Criar uma potência fabril da noite para o dia era impossível. O governo decidiu então que, para aumentar a eficácia da indústria de defesa do país, era preciso reorganizar a produção das principais fábricas – colocá-las para produzir exclusivamente armas de fogo – e construir novas unidades para a fabricação de armas brancas.  É nesse momento que começa a história da fábrica de armas de Zlatoust, que assumiu a tarefa de garantir o fornecimento de armas brancas ao Exército Imperial.


Produção de armas brancas foi intensificada após guerras napoleônicas Foto: RIA Nôvosti

As novas oficinas foram construídas na floresta dos Urais, não muito longe da usina metalúrgica estatal, na própria cidade de Zlatoust. Desde meados do século 18 que os metalúrgicos locais produziam ferro de boa qualidade – e adequado para produzir espadas. A rede fluvial da região facilitava o fornecimento de matérias-primas e enviava rapidamente a produção final a áreas centrais da Rússia.

Monopólio pós-Napoleão

O projeto para a construção da fábrica foi aprovado pessoalmente pelo tsar Aleksandr I. Cerca de cem profissionais – a maioria deles da cidade alemã de Solingen – viajaram à Rússia para ajudar no planejamento do trabalho.

A produção deveria começar em 1811, mas a guerra contra Napoleão adiou todos os planos. Zlatoust começou a produzir apenas em 1815. Cinco anos após a sua fundação, a fábrica ainda não havia ainda atingido a capacidade produtiva inicialmente planejada, e as antigas oficinas continuavam forjando lâminas. Tudo mudou mesmo dez anos depois.

Em 1830, os armeiros de Zlatoust praticamente monopolizaram o ofício: 78% das armas russas com lâmina eram fabricadas por eles. E o processo de produção tornara-se mais complexo.

Na fábrica operavam várias oficinas: umas que trabalhavam o aço, outras que fabricavam a empunhadura, que forjavam a lâmina, que faziam faca. Cada parte do sabre ou da shashka era feita separadamente por um especialista. A partir de 1850, todo o Exército russo passou a ser abastecido com armas brancas de Zlatoust.

Arte de ferro

A fábrica rapidamente se tornou um centro experimental da emergente metalurgia russa. Os seus artesãos começaram a trabalhar na criação de novos tipos de aço. É o caso dos engenheiros Amossov e Obukhov, que criaram o aço damasco e um tipo de aço fundido, respectivamente.

O aço criado por Obukhov logo suplantou o inglês, que era até então o mais usado. No final do século 19 era deste aço que eram forjadas as maiorias das lâminas das armas brancas russas. Já o aço damasco, de Amossov, além de sua resistência, se destacava pela textura, que fazia dele a matéria-prima ideal para a fabricação de armas decorativas e cerimoniais.


Punhal usado em cerimônias no século 19 Foto: TASS

Os cuteleiros de Zlatoust se especializaram na produção desses tipos de armas, vendidas sob encomenda. As primeiras experiências nesse sentido surgiram depois das guerras napoleônicas, quando os oficiais ricos começaram a querer imortalizar as suas proezas em um novo tipo de arma cerimonial. Com o tempo, os artesãos apenas aperfeiçoaram a arte de fabricação.

As lâminas eram decoradas com complexas composições artísticas, que ilustravam desde episódios da história russa à mitologia antiga. Aos poucos, começaram a fazer gravações no metal, trabalhando com elementos orientais e caligráficos. O grande diferencial da lâmina de Zlatoust se tornou o seu douramento, graças ao qual as obras-primas dos armeiros dos Urais se tornaram conhecidas para além das fronteiras da Rússia.

À prova do tempo

O século 20 acompanhou o surgimento e popularização das armas de fogo. Mas as armas brancas de Zlatoust continuam em demanda ainda nos dias de hoje.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a cidade forneceu ao exército mais de meio milhão de armas de corte e piques (lanças longas) de cavalaria. A Grande Guerra Patriótica, como é conhecida a Segunda Guerra Mundial na Rússia, exigiu a produção acelerada de facas de combate, ultrapassando um milhão de unidades.


Armas brancas de Zlatoust ainda continuam em demanda Foto: TASS

Não é à toa que na Parada da Vitória, em junho de 1945, todas as tropas que passaram pela Praça Vermelha, em Moscou, portavam facas de Zlatoust. E a cidade ainda continua sendo a maior fabricante de armas brancas da Rússia: ali são fabricados mais de 100 tipos diferentes de arma branca. Entre os modelos históricos mais populares estão, por exemplo, o sabre cossaco de 1881, e os punhais do tipo “dirk” (kortik, em russo).

 

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