Tolstói não poupava nem o amigo Anton Tchekhov.
Lightroom PhotosShakespeare, o sem talento
Lev Tolstói foi um dos críticos mais mordazes de Shakespeare. Ele negava que o escritor inglês fosse um gênio e fazia todo o possível para minar sua posição nos círculos literários. Segundo Tolstói, ele passou a melhor parte de 50 anos tentando entender Shakespeare. Continuava relendo o dramaturgo em todos os idiomas e traduções possíveis, mas o resultado era sempre o mesmo: a escrita de Shakespeare evocava sentimentos de “repulsão, cansaço e perplexidade” em Tolstói.
Retrato de William Shakespeare por John Taylor.
National Portrait GalleryFinalmente, em 1906, Tolstói, aos 75 anos, escreveu um amplo ensaio explicando sua intensa aversão por Shakespeare. “Lembro-me da surpresa que senti durante a primeira leitura de Shakespeare”, escreveu o russo. “Esperei receber o grande prazer estético. Mas ao ler, uma após outra, aquelas consideradas as melhores dentre suas obras, ‘Rei Lear’, ‘Romeu e Julieta’, ‘Hamlet’ e ‘Macbeth’, não só não senti prazer como experimentei a repugnância irresistível, o tédio e o receio de estar louco por achar insignificantes e francamente ruins obras consideradas o auge de perfeição por todo o mundo erudito, ou então o valor atribuído por esse mundo erudito às obras de Shakespeare é insensato”, continuou.
Para Tolstói, as obras de Shakespeare eram imorais, e ele chegou a escrever que as peças do inglês não tinham quase nenhum mérito artístico. Ele não podia negar a enorme influência e popularidade de Shakespeare, mas seu ponto principal era que todos admiravam o escritor britânico, mas quase ninguém conseguia explicar claramente o por quê. O escritor russo estava certo de que Goethe, a quem considerava um “ditador do pensamento filosófico e das leis estéticas”, havia feito uma enorme contribuição para a popularidade global de Shakespeare. Tolstói reduzia o apelo generalizado do dramaturgo a “uma série de circunstâncias”, e, embora sua opinião não tenha recebido muito apoio, ele a manteve até sua morte.
Púchkin, o insignificante
A atitude de Tolstói em relação a Púchkin era bastante controversa. Ele negava que o poeta merecesse o título de tesouro literário nacional, alegando que sua poesia quase não tinha valor; ainda assim, muitos críticos literários – e até mesmo o próprio Tolstói – percebiam a evidente influência de Púchkin nas obras de Tolstói. É por isso que, apesar não suportar a poesia de Púchkin, Tolstói o respeitava como escritor, alegando que a visão do poeta sobre arte literária servia de inspiração.
Retrato de Aleksandr Púchkin por Orest Kiprénski.
Galeria TretiakovO renomado historiador da literatura russa Boris Eikhenbaum estudou essa contradição em profundidade. Segundo ele, existiam “dois Púchkins” para Tolstói. O primeiro, que Tolstói não tolerava, era o poeta universalmente adorado e louvado; já o segundo, era o sábio professor literário de Tolstói.
Além disso, Púchkin amava Shakespeare tanto quanto Tolstói odiava o dramaturgo inglês – talvez, outro motivo para as ressalvas de Tolstói quanto ao poeta russo.
Tchekhov, o mau dramaturgo
Tchekhov e Tolstói se conheciam pessoalmente. Nutriam respeito mútuo e admiração pelo trabalho literário um do outro, mas isso não impedia Tolstói de criticar o amigo.
Tolstói sempre disse que Tchekhov era um grande artista cujas obras-primas poderiam ser relidas inúmeras vezes – exceto suas peças.
Retrato de Anton Tchekhov por Osip Braz.
wikipedia.org“Um dramaturgo deve levar o espectador pela mão na direção que ele quiser. E aonde posso seguir o seu personagem? Para o sofá da sala e de volta – porque seu personagem não tem outro lugar para ir”, disse.
No “Livro da Vida” (1922), Piotr Gneditch, colega de Tchekhov, lembra uma das declarações do dramaturgo sobre seu relacionamento com Tolstói. “Visitei recentemente Tolstói em Gaspra. Ele estava acamado devido a uma doença. Entre outras coisas, ele falou sobre mim e meus trabalhos. Quando eu estava prestes a dizer adeus, ele pegou minha mão e disse: ‘Me dê um beijo de adeus’. Enquanto eu me inclinava sobre ele e lhe dava um beijo, ele sussurrou no meu ouvido com uma voz ainda enérgica: “Sabe, eu odeio suas peças. Shakespeare era um escritor ruim, e considero suas peças ainda piores do que as dele”.
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