Para os russos, a literatura clássica é mais que um caminho para aprender a língua ou passar o tempo. Alguns clássicos que fazem parte do currículo escolar têm um importante papel na formação da identidade nacional cultural, e os russos adoram fazer referência a essas obras no dia a dia, comparando situações cotidianas com suas tramas, caracterizando colegas, falando de amor ou ódio ou apenas para fazer zombaria ou em expressões idiomáticas.
Todo russo entende tais referências porque todos leram os mesmos livros na escola. O Russia Beyond compilou uma lista das mais importantes dentre essas obras. Ler todas elas certamente o fará entender melhor a “alma russa”!
1. ‘O menor’, de Denís Fonvízin
Catarina, a Grande, proibiu Fonvízin de publicar outros trabalhos literários. Foi um alto preço a se pagar pela cortante sátira da vida russa.
G.O.Valk“Nedorosl” (em tradução livre do russo, “O menor”), trabalho satírico mais marcante de Denís Fonvízin no século 18, tem trechos que se tornaram verdadeiras expressões idiomáticas e provérbios na literatura e na língua russa.
O protagonista, Mitrofanuchka, é um membro egoísta e sem educação da baixa nobreza e principal alvo dos chistes de Fonvízin.
Logo após a publicação de “O menor” em 1783 na cena teatral moscovita, a comédia ganhou sucesso instantâneo. Mas Catarina, a Grande, proibiu Fonvízin de publicar outras obras, o preço a se pagar pela cortante sátira dos costumes russos.
Fonvízin é o único autor desta lista que ainda não tem nenhuma obra publicada em português. Sua obra “O menor” está disponível, porém, em inglês (“The minor”) na Amazon.
2. ‘O infortúnio da razão’, de Aleksandr Griboiédov
Autor nunca viu seu livro ‘O infortúnio da razão’ publicado.
Domínio públicoDiplomata e dramaturgo, Aleksandr Griboiédov entrou para a história da literatura russa como o autor de uma única peça, “Góre ot umá” (em tradução livre do russo, “O infortúnio da razão”).
Os monólogos do protagonista desta obra-prima, Tchatski, são frequentemente decorados na escola. A peça do século 19 mostra o conflito enfrentado por uma pessoa educada e incapaz de se encaixar em uma sociedade hipócrita.
Terminada em 1824, a peça foi publicada apenas em 1833 devido à censura do Estado. Mas o autor nunca viu “O infortúnio da razão” publicado. Embaixador na Pérsia, Griboiédov foi assassinado em 1829, aos 34 anos de idade, em uma revolta contra a Rússia em Teerã.
A obra não foi publicada em português, mas existe uma dissertação de mestrado da Universidade de São Paulo disponível on-line que traz a tradução da peça por Polyana de Almeida Ramos.
3. ’Evguêni Onéguin’, de Aleksandr Púchkin
‘Evguêni Onégui’ é chamado, com razão, de ‘enciclopédia da vida russa do século 19’.
Elena Samokich-SoudkovskaïaMaior estrela da poesia russa, Aleksandr Púchkin foi pioneiro do gênero de romance em verso. Seu melhor exemplo é o trabalho brilhante “Evguêni Onéguin”.
A obra conta a história do romance desafortunado entre Onéguin, um bon vivant saciado e cansado da vida, e uma modesta moça do campo, Tatiana. Ela espera por um homem para se apaixonar, mas Onéguin, inicialmente, não a leva a sério.
Púchkin emprega muitas linhas descrevendo a cultura, a história e as tradições russas. O romance é chamado, com razão, de enciclopédia da vida russa do século 19, e continua a ser amado pelos russos desde tenra idade.
Os elementos mais vitais da obra incluem a famosa carta de Tatiana a Onéguin, descrições de Moscou, palavras dedicadas às belezas naturais do país e o humor e auto-ironia do escritor.
No Brasil, o livro foi publicado como “Eugênio Oneguin”, em 2010, pela Editora Record com tradução direta do russo pelo diplomata Dário Castro Alves. Sob o mesmo título, saiu em Portugal pela Editora Cátedra e, em 2016, pela Relógio d’Água. Altamente esperada também é a tradução cunhada por Elena Vássina e Alípio Correia de Franca Neto.
4. ‘Um herói do nosso tempo’, de Mikhaíl Lérmontov
Membro da aristocracia russa altamente educado, Petchorin é cínico, niilista e melancólico.
Mikhail VrubelEste tomo conta a história de Grigóri Petchorin, oficial russo viajando e servindo na região do Cáucaso. O bon vivant criado pelo poeta e prosaísta Mikhaíl Lérmontov entra na galeria de “homens supérfluos” da literatura russa do século 19 iniciada com “Evguêni Onéguin”, de Púchkin.
Membro altamente educado da aristocracia russa, Petchorin é cínico, niilista e melancólico. Ele não tem qualquer objetivo na vida e brinca com a morte, vendo os outros como objetos de experimentos cruéis e prazeres hedonistas.
O herói de Lérmontov ganhou a companhia de muitas outras personagens similares posteriormente na literatura do século 19. Junto com Púchkin, Lérmontov é considerado um dos grandes poetas russos.
O título foi publicado em português em 1976, pela Editora Europa América, em 1999 pela Martins Fontes, e em 2008 pela portuguesa Lisboa, Assirio e Alvim.
5. ‘Almas Mortas’, de Nikolái Gógol
As viagens de Tchitchikov exploram a realidade da vida no campo e dos tipos ali vivendo.
Mechislav Dalkevich“Almas Mortas”, de Nikolai Gógol, é uma das mais poderosas obras da literatura russa do século 19. Seu autor, porém, queimou a sequência e em seguida morreu acometido por um doença mental.
Reza a lenda que Gógol tirou a ideia da trama de Aleksandr Púchkin. O livro conta a história de um nobre pobre, Pável Tchitchikov, que viaja pelo país comprando servos mortos, que só existem no papel, para dar um golpe ao hipotecá-los. Seu plano consiste em pegar um empréstimo bancário e fugir.
As viagens de Tchitchikov exploram a realidade russa do século 19 no campo e os tipos ali vivendo. A obra foi publicada inúmeras vezes em português, mas entre 2018 e 2019 ganhará nova versão direta do russo pelo gigante da tradução Rubens Figueiredo para a editora 34.
6. ‘Crime e Castigo’, de Fiódor Dostoiévski
Rodion Raskôlnikov se debate com a questão sobre ser ou não “uma criatura que teme” e se “em o direito” de matar.
N.N.KazarinCom mais de 25 adaptações em filmes mundo afora, “Crime e Castigo” é, provavelmente, a obra mais famosa de Fiódor Dostoiévski. A história retrata os dilemas morais de um ex-estudante, Rodion Raskôlnikov, que se depara com a questão sobre ser ou não “uma criatura que teme” e se “tem o direito” de matar.
Ele se compara a Napoleão e pensa que boas intenções podem justificar qualquer crime. Ele mata uma velha agiota e se entrega à polícia como resultado da angústia moral.
Em São Petersburgo, onde ocorre o romance, há hoje uma infinidade de passeios turísticos dedicados à vida de Raskôlnikov.
Como a anterior, esta obra foi publicada diversas vezes em português. Sua versão mais badalada no Brasil, porém, é a traduzida por Paulo Bezerra para a editora 34.
7. ‘Guerra e Paz’, de Lev Tolstói
O encontro de Andrêi e Natacha no baile é uma das cenas centrais de ‘Guerra e Paz’.
L. PasternakTalvez nem todos os russos tenham conseguido terminar todos os volumes de “Guerra e Paz”, cujas primeiras páginas foram escritas em francês. Mesmo assim, quase todo mundo retoma a leitura alguns anos depois.
Alguns preferem as linhas dedicadas ao amor, outros gostam das descrições da guerra contra Napoleão entre 1805 e 1812.
Sem dúvida, porém, “Guerra e Paz” é um dos mais importantes livros da literatura russa e mundial.
Na era soviética, ele era o livro mais publicado do país, com mais de 360 milhões de cópias impressas em 312 edições.
No Brasil, sua edição mais disputada foi a vertida por Rubens Figueiredo para a finada editora Cosac & Naify em 2011, hoje publicada pela Companhia das Letras.
8. Contos de Anton Tchékhov
Escultura de ‘O gordo e o magro’ por D. Begalov, na cidade russa de Taganrog.
Anton BakarukOs russos começam a ler os contos curtos de Tchékhov muito cedo. Por exemplo, a terna história de um cachorro devotado a seu mestre, “Kachtánka” tocou os corações de muitas crianças.
Engraçadas, curtas, cheias de humor, ironia e sátira, as histórias de Tchékhov sempre foram amadas, tanto por crianças, como por adultos na Rússia. Entre elas, estão “O gordo e o magro” e “Pequena Trilogia”.
Já os dramas “A gaivota”, “Tio Vânia”, “As três irmãs” e “Jardim de Cerejeiras”, frequentemente estudados mais tarde, no colegial.
Os contos de Tchékhov foram publicados em inúmeros tomos em português.
9. ‘O Don tranquilo’, de Mikhaíl Chólokhov
A autoria deste livro que rendeu o Nobel de literatura a Mikhaíl Chólokhov em 1965, ainda é debatida entre críticos literários.
S.KorolkovA autoria deste livro que rendeu o Nobel de literatura de 1965 a Mikhaíl Chólokhov, ainda é debatida por críticos literários. Alguns afirmam que não é possível que um autor de 22 anos tenha escrito trabalho excepcional como este sendo tão jovem.
Os rascunhos à mão de Chólokhov foram perdidos há muito tempo, algo bastante estranho, se levarmos em conta a importância e extensão do romance. Alguns especialistas acreditam que ele tenha sido escrito, na realidade, por Fiódor Kriukov, oficial do Exército Branco.
Qualquer que seja a verdade sobre sua autoria, este livro, que descreve a vida dos cossacos do Don e o destino de um homem durante a Revolução Russa, é um dos mais significativos da literatura russa do século 20.
Ele foi publicado nos anos 1980 pela editora portuguesa Livros do Brasil e pela brasileira Record, além de, nos anos 1970, pela Opera Mundi, aparecendo por vezes sob o título “Don silencioso”.
10. ‘Um dia na vida de Ivan Denissovitch’, de Aleksandr Soljenítsin
Como prevê o título, livro retrata um dia da vida de Ivan Deníssovitch Chukhov, prisioneiro de um campo de trabalhos forçados soviético na década de 1950.
O.BesedinOs escritos do ganhador do Nobel de literatura de 1970, Aleksandr Soljenítsin, foram proibidos por muito tempo nas escolas russas.
Os contos do autor começaram a aparecer nas escolas do país apenas durante a Perestroika, no final dos anos 1980. Eles se tornaram a evidência mais crua das repressões soviéticas.
“Um dia na vida de Ivan Denissovitch”, publicado inicialmente em 1962, tem lugar central no estudo da literatura do século 20 em toda classe do colegial.
O livro conta a história de um dia na vida do prisioneiro Ivan Denissovitch Chikhov em um campo de trabalhos forçados soviético na década de 1950. A publicação do livro foi extraordinária porque foi a primeira vez que as repressões de Stálin foram descritas abertamente.
Nos anos 1970, a obra saiu em português pela Opera Mundi e pelo Circulo do Livro, reeditada por essa nos anos 1990 e editada também pela Publicações Europa-América. Em Portugal, foi publicada em 2012 pela Sextante.
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