Autor do cultuado romance “Geração P” (1999), que ganhou até adaptação cinematográfica, Victor Pelevin é um dos escritores mais importantes da literatura russa moderna, mas leva a vida de um homem invisível.
“A realidade é plasticina com passas”, escreve Pelevin em uma de suas histórias. Sua visão de mundo há muito faz os fãs sorrirem maravilhados.
Mas, paradoxalmente, apesar de ser um dos melhores escritores russos vivos, ele não aparece em público há duas décadas. Até pouco tempo atrás, a foto mais recente do escritor que circulava pela internet tinha sido tirada em 2001.
Porém, em agosto de 2021, um jornalista do portal russo The Blueprint afirmou ter comprado uma foto de Pelevin na chamada “dark web”. A foto foi datada como tendo sido tirada em 2020 e uma empresa de reconhecimento facial determinou que sua correspondência com as imagens anteriores conhecidas do escritor era de 75%.
Ninguém sabe onde Pelevin mora, o que faz ou o que come no café da manhã (alô, Globo Repórter!). Sua reclusão se tornou o assunto do momento e acabou por chegar ao ponto do absurdo: no final de setembro de 2021, circularam rumores nas redes sociais de que Pelevin teria ido a Moscou para participar de uma sessão de autógrafos.
Na ocasião, foram publicadas fotos de um homem muito parecido com Pelevin. Pouca gente acreditou na notícia, mas o boato gerou burburinho nas redes sociais. No final das contas, descobriu-se que a farsa tinha sido orquestrada pelo editor-chefe da revista “Esquire” russa, Serguêi Minaev.
Além de divulgar em um canal anônimo no aplicativo Telegram fotos de um falso Pelevin dando autógrafos, ele também colocou o tal ator na capa da Esquire de outubro. Com toneladas de maquiagem, o ator Iúri Borísov atuou de maneira esplêndida, fingindo ser o recluso escritor. Na capa da revista, pairava uma pergunta: “Pelevin existe?”
“Queríamos dedicar nossa edição [de outubro] a boatos e fake news”, disse Minaev no Instagram. “E quem mais poderia estar na capa? Quem é o maior mistificador russo de nosso tempo? Victor Pelevin, é claro!”
Ermitão
Cada um dos livros ligeiramente misantrópicos de Pelevin infalivelmente acaba nas listas de mais vendidos das livrarias. E, como uma árvore que sempre dá frutos, o prolífico Pelevin consegue escrever um livro por ano.
Pelevin poderia facilmente descansar sobre seus louros e “festejar como um russo” (como cantou Robbie Williams), participando de eventos de luxo repletos de estrelas e programas de TV. Mas essa não é a onda de Pelevin, que tem poucos concorrentes quando se trata de ideias malucas.
Nascido em 1962 em Moscou, ele estreou na literatura com uma seleção de contos intitulada “Lanterna Azul” — os textos em prosa mais brilhantes da década de 1990. Alguns críticos dizem que ele é um equivalente sarcástico russo dos escritores Douglas Coupland (que escreveu “Geração X”) e Chuck Palahniuk (autor de “Clube da Luta”).
Seu comovente conto “O Ermitão e o Seis-Dedos” (em tradução livre; no original em russo, “Zatvornik i Chestipali”) retrata a vida de duas galinhas em uma incubadora. Nele, Pelevin destaca os dois piores cenários possíveis: ou você é um eremita, ou seja, um não conformista, ou você se conforma — mas se “tiver seis dedos”, a sociedade (ou seja, o resto das galinhas) o rejeitará.
“De onde viemos?”, pergunta Seis-Dedos. “Sabe, apenas em níveis muito profundos de memória essa pergunta obtém uma resposta”, responde então o Ermitão.
De corrida espacial a Buda
O primeiro romance distópico de Pelevin, “Omon Ra”, saiu em 1992 e contava a história de um garoto soviético que sonhava em ser cosmonauta, como Iúri Gagárin. Envolvente e cheio de suspense, o livro aborda o absurdo do modo de vida soviético.
Mas, inquestionavelmente, “A vida dos insetos” (que saiu no Brasil pela editora Rocco) é sua maior obra-prima. Publicado em 1993, o romance se passa no início dos anos 1990, justapondo dois mundos paralelos: o humano e o inseto. Cada um dos personagens surge em ambos os papéis (igualmente perturbadores), de inseto e humano.
O romance de Pelevin que quebrou paradigmas foi “A metralhadora de argila” (publicado no Brasil pela Rocco; no original em russo, “Tchapáiev i Pustotá”, em referência a um comandante do Exército Vermelho que lutou na Guerra Civil Russa). Intitulado em inglês de “O dedinho de Buda”, a obra criou um verdadeiro burburinho quando foi lançada, em 1996.
Os críticos saudaram “A metralhadora de argila” como o primeiro romance “zen budista” da Rússia. Segundo Pelevin, porém, tratava-se do “primeiro romance da literatura mundial cuja ação se passa em um vazio total”.
O romance foi internacionalmente aclamado e selecionado para um dos mais prestigiados prêmios mundiais, o Prêmio Literário de Dublin, e abrange dois períodos: a Guerra Civil de 1919 e a Rússia pós-Perestroika, em meados da década de 1990. Uma mistura de absurdo, banalidade e ironia, este é um daqueles livros que ou você ama, ou odeia.
A obra-prima seguinte de Pelevin, “Geração P” (ainda sem tradução para o português), foi a que o alçou à fama, ao se tornar um best-seller cultuado. A trama se passa na década de 1990, após a queda da União Soviética.
O protagonista, Vavilen Tatarski, acaba de se formar no Instituto de Literatura de Moscou (onde o próprio Pelevin estudou brevemente) e está cheio de esperanças e grandes sonhos ambiciosos. Mas, depois de uma série de fracassos, ele vai parar no mundo da publicidade. É aí que sua carreira finalmente decola: Tatarski sente o gostinho irrecusável de uma vida cheia de dinheiro, sexo, drogas, criminosos e poder.
Em 2011, o romance foi adaptado para o cinema por Victor Ginzburg, tornando-se o primeira e único longa-metragem baseado em uma obra do autor. Mas outro filme de Ginzburg baseado em um livro de Pelevin está a caminho e deve ser lançado no final de 2021: “Império V” (em tradução libre).
Lançado em 2006, o livro “Império V” traz como protagonista Román Chtórkin, um jovem que vira vampiro. Mas a transformação não é agradável a Chtórkin, que busca respostas às eternas questões “O que é verdade?”, “O que é Deus?” e “O que acontece após a morte?”.
‘Best-seller não é indicador de qualidade’
“O valor de um livro não é determinado por quantas pessoas o leem”, escreveu Pelevin em seu sexto romance, “O Livro Sagrado do Lobisomem” (em tradução livre, 2004). “Os melhores livros têm poucos leitores porque lê-los exige esforço. Mas é justamente por causa desse esforço que nasce o efeito estético”, escreve ainda.
Nesse romance, a trama gira em torno do relacionamento entre uma inteligente e sexy “werefox” (ser humano que se transforma em fera) de vários milhares de anos e um oficial do FSB (órgão que substituiu a KGB) lobisomem.
A lista de livros de Pelevin segue adiante, sempre crescente, mas o escritor parece se afastar cada vez mais dos humanos nela também. Cada um de seus livros revela domínio técnico, virtuosismo estilístico e um brilho de sagacidade lacônica. E, no entanto, tem-se a sensação de que Pelevin escreve o mesmo livro indefinidamente. E lê-los é um prazer!
Autorizamos a reprodução de todos os nossos textos sob a condição de que se publique juntamente o link ativo para o original do Russia Beyond.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: