Duelo como costume sumiu completamente após 1917, assim como a aristocracia russa, que foi aniquilada pela Revolução Bolchevique.
Legion MediaPedro, o Grande governava a Rússia no início do século 18, quando a tradição dos duelos chegou ao país, vinda da Europa, e não estava exatamente feliz com ela.
“Enforque-os [aqueles que participavam de duelos], vivos ou mortos”, ordenou o imperador em 1715. As medidas restritivas, porém, não funcionaram.
Na realidade, não há registros de tal punição sendo aplicada na vida real durante o governo de Pedro, e os duelos eram altamente populares então.
Foi durante o final do século 18 e o início do 19 que os duelos mais se disseminaram entre os nobres russos.
Substituto da guerra
No início do século 19, a Rússia estava lutando contra Napoleão, finalmente derrotando-o em 1812. Os aristocratas que serviam o país como oficiais nos campos de batalha queriam mostrar sua bravura também em tempos de paz.
Além disso, como escreve o autor de “História do Duelo Russo”, Aleksandr Vostrikov, encarar de frente uns os outros era um modo de a aristocracia marcar sua singularidade.
Um burguês ou camponês nunca desafiariam um nobre, e ter a honra de se defender era um privilégio.
A distância tradicional entre os duelistas com pistolas na Rússia era menor que na Europa, e os russos podiam atirar a três passos.
Mary Evans Picture Library/Global Look PressMas o duelo também era uma necessidade. Se alguém ferisse sua honra e e você não desafiasse a vida dele, não seria mais bem-vindo na nobreza. No século 19, isso era, provavelmente, ainda pior que a morte em si, pelo menos para os membros da aristocracia.
Não importava que o duelo continuasse proibido. Jovens (e outros nem tão jovens assim) nobres estavam prontos a resolver seus problemas com pistolas ou espadas.
Motivos para um duelo
Os motivos para a luta podiam ser diversos. Claro, muitas vezes estavam ligados a alguma mulher: podia ser um marido que desafiava outro homem por espalhar ter um caso com a mulher (foi assim que o mais amado poeta russo, Aleksandr Púchkin, morreu em duelo com Georges-Charles d'Anthès) ou dois jovens apaixonados pela mesma garota desafiando um o outro.
Aliás, a biografia de Púchkin poderia se chamar “Qualquer motivo possível para se iniciar um duelo”. O poeta era uma espécie de bretteur, ou seja, uma pessoa que desafia todo mundo que lhe pareça faltar de qualquer maneira com respeito.
Imagem do filme "O duelo", baseado na novela de Aleksandr Kúprin.
SputnikO duelo com d'Anthès foi pelo menos o 21° de sua “carreira”, apesar de a maioria deles (15) terem terminado sem tiros ou mortes. Normalmente, seus amigos ajudavam a resolver o problema com negociações pré-duelo, e Púchkin, ou, mais frequentemente, seus opositores pediam desculpas. Mesmo assim, o poeta sempre estava pronto a lutar.
Os motivos para seus duelos iam de brigas regadas álcool e trapaças nas cartas a piadas ruins e discussões literárias. E eles eram bem comuns. Como escreveu Aleksandr Vostrikov: “Duas carruagens não cabem na mesma rua? Um duelo. Um homem empurra o outro sem querer? Um duelo. Alguém te olha de lado? Um duelo”.
Assim, muitos aristocratas se comportavam como bombas prestes a explodir.
Etiqueta para tirar a vida de alguém
As regras dos duelos são conhecidas de todos. Primeiro, um homem insulta o outro, provocando assim o desafio. Os insultos podem ser diversos, de uma afronta verbal, chamando o opositor de “salafrário” ou coisa que o valha, a um tapa.
A parte ofendida diz, sem mencionar diretamente um duelo – eles eram proibidos, lembra? -, algo como “isso não vai ficar assim”. As regras não escritas rezam que eles não podem se ver antes do duelo.
Cada um escolhe um subordinado, seu confidente que o representará. Os subordinados se encontram com exigências oficiais dos participantes do duelo, mas têm o objetivo de resolver o assunto pacificamente.
Caso eles falhem, porém, acabam marcando hora e local, normalmente algum lugar remoto ao nascer do sol, e o cenário está pronto para o duelo.
Cara a cara
As condições sob as quais os duelos são travados também diferem. Normalmente, os duelistas russos preferiam pistolas, e não espadas, já que um bom esgrimista tinha uma vantagem e com pistolas, com a dificuldade de apontá-las em um duelo, as chances eram mais democráticas.
Além disso, os duelos de espadas normalmente acabavam na primeira gota de sangue, enquanto com pistolas o fim vinha com a morte de alguém.
A distância tradicional entre os duelistas com pistolas na Rússia era menor que na Europa, onde eram necessários pelo menos 15 passos entre eles.
Os russos podiam atirar a três passos, enquanto os dois homens seguravam as pontas de um mesmo cachecol (o chamado “duelo de cachecol”).
Sob estas condições, um dos homens claramente acabava morto – e, sim, a Rússia eram bem brutal naqueles tempos!
O modo mais padronizado era o que tinha barreiras entre os duelistas, instaladas a 10 passos. Eles ficavam a cerca de 10 passos de distância de cada barreira e convergiam sob comando. Ambos tinham uma escolha: ir até a barreira e atirar ou ficar e apontar de longe. Foi assim que Púchkin morreu: d'Anthès atirou primeiro.
A morte do duelo
Assim como Púchkin, outro poeta famoso russo foi aniquilado em duelo. Mikhaíl Lermontov morreu durante o governo de Nikolai I, que dominou a Rússia entre 1825 e 1856 e também odiava duelos, chamando-os de “barbarismo, nada a ver com a nobreza”.
Durante seu reinado, duelistas condenados pegavam sentenças e passavam entre seis e 10 anos na prisão. Foi após essas punições que o número de duelos começou a cair no país.
Gradualmente, o ato de duelar perdeu seu sentido quase sagrado, ou seja, pessoas que não pertenciam à nobreza começaram a participar.
O escritor russo Antôn Tchékhov retratou, em seu romance “O duelo” (1831), duas pessoas que entram em um duelo “porque é o esperado”, mas não têm ideia do que fazer nele.
O duelo como costume quase desapareceu no início do século 20, e sumiu completamente após 1917, assim como a aristocracia russa, que foi aniquilada pela Revolução Bolchevique.
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