“O coronel Bauman mostrou o desenho de um enorme morteiro que seria fundido em Tula, na fundição Marselis, com 150 toneladas de metal”, escreveu Andrei Rhode, secretário da embaixada dinamarquesa em Moscóvia, em 1658. “A granada deste morteiro, que deveria ser fundida a partir de 6 toneladas de ferro, era tão alta que ia do solo até o queixo de um homem bastante alto. Eram necessários 80 quilos de pólvora para disparar aquele morteiro.”
Os pesos da arma e da granada parecem irreais. Seria possível produzi-los?
“Aposto que este projeto não saiu do papel”, diz Gueórgui Kijlo, autor do podcast militar Algo Sobre Armas. “É uma prática habitual na produção de artilharia pesada. O principal é mostrar aos chefes que ‘não existem análogos no mundo’. Os chefes ficam felizes e não fazem perguntas. Eles dão dinheiro para o desenvolvimento, e o desenvolvimento mostra que não há nada igual no mundo porque ninguém precisa daquilo. Mas, veja, inventamos uma granada que chega até o queixo, o inimigo vai tremer só de pensar nisso”, continua Kijlo.
Canhão do Tsar no Kremlin, Moscou
Alvesgaspar (CC BY-SA 3.0)Fato é que o morteiro gigante do coronel Bauman nunca foi fundido. Mas esse episódio histórico mostra que, no século 17, os tsares russos realmente queriam armas impressionantes e estavam dispostos a financiar sua produção. Os russos até contavam com algumas armas “secretas” produzidas por engenheiros estrangeiros; na verdade, a maior parte da primeira artilharia russa foi fabricada por estrangeiros. Confira abaixo uma pequena amostra das mais estranhas e impressionantes dessas armas:
1. Canhões feitos de terra
Arma de madeira de um manuscrito italiano do século 16 (à esq.) e arma de terra (dir.), de um manual militar do século 17
Krasnikov, 2016A ideia para uma arma de terra foi tomada de Friedrich Getkant, um alemão que serviu à Comunidade Polonesa. Um de seus aprendizes, Hans Timson, serviu mais tarde ao coronel Bauman em Moscou e, sob escrutínio, revelou os segredos de Getkant. O historiador de artilharia russo Aleksêi Lobin descobriu a descrição de como construir o “canhão de terra”.
“Uma grande fossa cilíndrica era cavada no solo sólido, com um orifício menor (uma câmara de pólvora) dentro. As paredes da fossa e da câmara eram revestidas de tábuas presas com cordas e aros. A pólvora era derramada na câmara, coberta com um escudo de madeira. Um longo pavio se estendia a partir da câmara. Granadas e pedras de vários tamanhos eram colocadas sobre o escudo. Após a ignição da pólvora, os projéteis mortais voavam para cima e depois caíam, cobrindo grandes áreas”, segundo Lobin.
Os canhões de terra lançavam projéteis com um peso total de 16 a 32 quilos e eram dispensados após um certo número de disparos. O canhão era inutilizado porque os disparos danificavam e queimavam seu interior de madeira.
A principal desvantagem na construção de um canhão de terra era realizar os cálculos corretos, as proporções adequadas do fosso e da câmara. Timson reconstruiu os canhões Getkant e os apresentou no exercício militar em Vagánkovo, em Moscou, em 1672.
A única vez que os canhões de terra foram realmente usados em batalha foi durante o cerco ao Mosteiro Solovetski (defendido pelos Velhos Crentes) entre 1674 e 1676. O principal motivo era que o Mosteiro Solovetski fica situado em uma ilha remota: transportar os canhões de bronze era quase impossível, então, era melhor construir canhões de terra ali mesmo. Seis canhões de terra foram fabricados, disparando feixes de pregos de ferro e projéteis combustíveis. No entanto, no final do século 17, o segredo das proporções de um canhão de terra foi perdido para sempre.
2. Foguetes de madeira
Protótipo de foguete de Conrad Haas, 1529
Johann SchmidlapDurante o cerco de Chigirin em 1674, fontes descreveram um protótipo de foguete (um projétil combustível) construído por um desconhecido major estrangeiro a serviço da Rússia.
“Troncos de seis metros foram escavados e preenchidos com pólvora em diferentes proporções. Esses troncos deveriam ser projetados para além das muralhas da cidade. O inimigo não era capaz de apagar rapidamente o fogo provocado pelos troncos devido à grande quantidade de ar (fumo) que os rodeava, dificultando a aproximação. Dois troncos foram feitos e levados para as trincheiras e ainda há mais por vir”, escreve Lobin.
A questão é como esses “foguetes” eram lançados para além das muralhas, provavelmente com algum tipo de catapulta?
3. Torres de cerco com canhões
Torre de cerco com canhões que foi usada para tomar Kazan
Erich DonnertEm 1552, um exército de 150 mil pessoas foi levado por Ivan, o Terrível, para Kazan, a capital do Canato de Kazan, um estado feudal muçulmano. A cidadela de Kazan tinha muralhas de madeira e pedra de até dez metros de espessura, com quatro enormes torres e portões, todos cercados por amplos fossos. Uma fortaleza impossível de conquistar sem artilharia pesada. Demorou três meses para levar cerca de 150 armas de Moscou a Kazan e sete dias para reunir a artilharia. Depois de semanas de fogo pesado, a cidadela ainda estava intacta e os defensores continuavam a atirar projéteis e flechas por trás das muralhas.
O tsar Ivan tinha à sua disposição engenheiros de artilharia italianos e alemães, que construíram torres de canhão, feitas de madeira das florestas nos entornos. Eram torres de cerco de três andares com ranhuras para os canhões em todos os andares, o que permitia disparar os objetos por trás da muralha da fortaleza “como se viessem do céu”, segundo a crônica chamada História de Kazan. As torres eram colocadas sobre rodas ou sobre troncos e iam se aproximando gradativamente das muralhas, até seis metros do fosso da fortaleza.
Essa novidade técnica, realizada “como só os italianos fazem”, diz a crônica, ajudou, em parte, a enfim tomar Kazan. O cerco durou 32 dias e terminou quando os engenheiros italianos explodiram as muralhas da cidade.
4. Guliai-gorod (“cidade ambulante”)
Reconstrução contemporânea de um guliai-gorod
Lapot' (CC0)O forte de carruagem (um retângulo formado por carruagens ou vagões em um campo aberto durante a batalha) era um tipo popular de fortificação móvel na Europa desde o século 15. Mas os russos criaram sua própria versão, chamada guliai-gorod (ou “cidade ambulante”).
Um guliai-gorod era feito de tábuas de carvalho que formavam escudos pesados. As tábuas eram rapidamente transportadas para o local da batalha em uma caravana especial. Ao chegar ao local, os escudos eram instalados em carroças ou vagões, dependendo da época do ano. Entre os escudos eram necessariamente deixadas passagens para as tropas, ligadas por correntes, que permitiam a passagem da infantaria, mas ainda assim bloqueavam a cavalaria inimiga. Nos escudos eram abertos furos para fuzis e canhões de pequeno porte.
Como se usava guliai-gorod em batalha
Belyakovdoj (CC BY-SA 4.0)Eles foram utilizados pela primeira vez para dar cobertura a posições de artilharia no século 16 e mais tarde para proteger a infantaria de campo de flechas e da cavalaria tártara. O mercenário alemão Heinrich Staden escreveu sobre o ataque ao Canato da Crimeia em 1572 que, se os russos não tivessem um guliai-gorod, teria sido bem-sucedido.
No caso de um grande conflito no campo com as tribos nômades tártaras do sul da Rússia, o guliai-gorod também podia ser esticado. “Esta fortaleza em marcha ou móvel é organizada de tal forma que (dependendo da necessidade) pode ser estendida em comprimento por uma, duas, três, quatro, cinco, seis ou sete milhas (mais de 11 km)”, escreveu o diplomata inglês Giles Fletcher em seu “Of the Russe Commonwealth” em 1591.
5. Soroka (‘Urraca’), protótipo do lançador de foguetes Katiucha
Soroka de 7 canos
Ministério da Defesa da RússiaO melhor lança-foguetes russo da Segunda Guerra Mundial, o Katiucha, foi, na verdade, um protótipo de Andrei Tchokhov, um engenheiro militar dos séculos 16 a 17 que criou o Canhão do Tsar.
Na segunda metade do século 16, Tchokhov inventou uma arma de vários canos que disparava balas de fuzil. Foi chamada de “Soroka” (Urraca), provavelmente por causa de seus agudos e barulhentos estalos e da velocidade de seu fogo. Depois que a artilharia pesada fazia buracos nas muralhas da fortaleza inimiga, as sorokas ficavam na frente deles para receber com balas os defensores que saíam da cidadela em chamas.
Os sorokas também poderiam ser usados para proteger as cidades contra a infantaria inimiga. Durante o reinado de Mikhail Fiódorovitch, o primeiro Romanov, mais de dez cidades na Rússia central tinham sorokas em seus arsenais.
Soroka de 105 canos, século 17
Museu Histórico Militar de Artilharia, Engenharia e ComunicaçõesEm 1588, Andrei Tchokhov criou um soroka de 100 canhões. Pesava 5.283 kg, e a arma foi moldada em uma única forma “com 35 canais centrais”, de acordo com uma descrição de 1641. O soroka de 100 canos disparava pequenas balas de canhão “do tamanho de um ovo de ganso” (cerca de 200 gramas). No final do século 16, esta peça de artilharia russa era encontrada na margem do rio Moscou, perto da ponte Moskvoretski, a passagem do sul, caso os tártaros da Crimeia atacassem a cidade novamente. O soroka de 100 armas foi provavelmente derretido durante o reinado de Pedro, o Grande.
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