Os militares dos EUA faziam tudo para manter todas as instalações de desenvolvimento de bombas nucleares em segredo. O tenente-general Leslie Groves, que estava no comando do Projeto de Armas Especiais das Forças Armadas norte-americanas, criou a chamada “zona morta” na cidade de Oak Ridge. Nessa área restrita, os trabalhadores só tinham acesso a certas partes da usina secreta de urânio e plutônio enriquecidos, e as pessoas de diferentes departamentos não tinham sequer permissão para falar umas com as outras.
Vista aérea da instalação de pesquisa nuclear da Comissão de Energia Atômica em Oak Ridge
APAcima de qualquer suspeita
No entanto, as restrições no centro de Oak Ridge não se aplicavam aos operadores de raios-X, entre eles George Koval, que o comando militar conhecia como um norte-americano patriota. Nascido em 1913 em Sioux-City, Iowa, em uma família de imigrantes judeus, Koval trabalhou para a Raven Electric Company antes da Segunda Guerra Mundial e foi convocado para o serviço militar em 1943. Com os estudos de engenharia na Universidade de Iowa interrompidos, foi convidado para fazer um curso de especialista de raios-X no City College de Nova York. Acabou sendo um dos melhores alunos, e por isso enviado para Oak Ridge.
George Koval (quarto da esquerda na fileira superior) com colegas do City College de Nova York
RosatomNa fábrica, Koval media as doses de radiação dos trabalhadores, examinava o maquinário e falava com qualquer um que estivesse disposto a conversar. Ao contrário dos altos funcionários do projeto, que estavam sendo supervisionados o tempo todo, Koval nunca foi suspeito de ter um motivo oculto. Em 1945, ele foi transferido para trabalhar em um laboratório em Dayton, Ohio. No final da guerra, Koval se tornou um dos funcionários mais estimados e o comando queria até mesmo enviá-lo ao Japão para investigar os resultados das explosões em Hiroshima e Nagasaki. Koval se recusou e, em 1948, se mudou para Europa para participar da construção de usinas elétricas.
Laboratório em Dayton
Camille Fife/U.S. Library of CongressAgente abafado por Washington
A primeira bomba atômica soviética foi testada em 1949. Depois disso, as agências de inteligência dos EUA começaram uma investigação na tentativa de encontrar espiões soviéticos no projeto de bombas nucleares. Koval tornou-se o foco da investigação, e qualquer pessoa potencialmente familiarizada com ele foi interrogada. Os investigadores enfim perceberam que ele era um agente do GRU (Diretório Principal de Inteligência da URSS). Eles até encontraram uma revista soviética com uma foto da família Koval e reconheceram George nela. Stewart D. Bloom, que estudou com Koval, escreveu: “Ele não tinha sotaque russo. Ele falava inglês fluente, inglês americano. Suas credenciais eram perfeitas”.
Nuvem de cogumelo após a explosão da RDS-1, a primeira bomba nuclear soviética, 1949
Arquivo do Centro Nucliar Federal da RússiaOs Estados Unidos decidiram manter a descoberta em segredo. O pesquisador e escritor Robert S. Norris explicou que “teria sido altamente embaraçoso para o governo dos EUA ter divulgado isso”. Segundo ele, a inteligência soviética sabia sobre o desenvolvimento de uma bomba nuclear no laboratório de Los-Alamos, mas foi Koval que passou as informações sobre o laboratório secreto em Oak Ridge.
No centro nuclear em Oak Ridge
Domínio públicoComo a inteligência ajudou os físicos
Graças ao seu conhecimento de química, Koval foi capaz de entender todas as novas tecnologias e sempre estava buscando qualquer coisa que pudesse ser útil para o projeto nuclear soviético. “Eu o via com olhar longe, pensando em outra coisa. Agora percebi o que ele estava fazendo”, escreveu Stewart D. Bloom.
George Koval
RosatomKoval foi capaz de identificar objetos atômicos norte-americanos, suas estruturas e funções. Ele foi o primeiro agente soviético a segurar plutônio metálico em mãos e a descobrir que os americanos estavam usando polônio em suas bombas nucleares. Koval conseguiu enviar à URSS as tecnologias para criar um iniciador de nêutrons de polônio que permite explodir a bomba. O físico soviético Igor Kurtchatov não sabia quem havia descoberto isso, mas escreveu que essas tecnologias ajudaram muito na criação das bombas nucleares soviéticas.
Igor Kurtchatov
SputnikKoval por trás da lenda
O comando militar dos EUA desconhecia um fato importante: George Koval morou na URSS por oito anos. Eles não sabiam que a família Koval, que fugiu do Império Russo antes do nascimento de George, decidiu retornar à URSS em 1932. Eles se mudaram para a Região Autônoma Judaica e moravam perto de Birobidjan (6.000 km a sudeste de Moscou).
A beira-mar em Sioux City, 1912
Domínio públicoEm 1934, Koval estudou em uma universidade de química em Moscou, mas o GRU mudou o seu destino em 1939. Foi sua experiência científica e inglês perfeito que chamaram a atenção da inteligência soviética para torná-lo um agente dormente nos EUA. Ele passou por um curso especial de preparação e recebeu o codinome Delmar.
Certificado de veterano do serviço de inteligência militar pertencente a George Koval
RosatomApós obter documentos falsos, em 1940, Koval partiu de Vladivostok para São Francisco em um navio-tanque soviético e conseguiu passar pelo posto de controle junto com o capitão do navio, que apontou para sua esposa, filha e Koval, afirmando que todos tinham vindo com ele. Ninguém verificou os documentos do novo agente. Koval seguiu para Nova York, onde conheceu agentes soviéticos e se estabeleceu para passar informações à URSS.
Em pouco tempo, o agente Delmar percebeu que seria mais seguro se legalizar, manteve sua cidadania norte-americana e “reapareceu” sob seu nome verdadeiro.
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