Conheça as “datchas”, refúgio dos russos no verão

“Datcha” era um refúgio da vida privada, uma pequena ilha de emigração interna em meio às condições existentes na União Soviética Foto: ITAR-TASS

“Datcha” era um refúgio da vida privada, uma pequena ilha de emigração interna em meio às condições existentes na União Soviética Foto: ITAR-TASS

Propriedades, que tem origem da época dos czares, também eram uma pequena ilha de emigração interna em meio às condições existentes na União Soviética. Foi mais ou menos nesse formato que as “datchas” passaram a fazer parte da Rússia atual.

Desde o século retrasado os russos fogem do sufocante verão urbano para as “datchas”, como são conhecidas as casas de campo no país. Antigamente, a família inteira partia para uma “datcha” para os meses de calor e somente o pai de família voltava para a cidade para trabalhar. Muitas coisas mudaram na Rússia desde aquela época, não o costume de passar os verões na “datcha”.

A “datcha” é uma peculiaridade nacional russa. Em outras línguas nem sequer existe uma palavra do tipo. No russo, ela surgiu no século 18, derivada da palavra "davat" (dar). Na época, o czar costumava dar para os seus vassalos um pedaço de terra junto com os camponeses que viviam nela na qualidade de pagamento por um serviço fiel.

O governo soviético também distribuía terrenos para os seus cidadãos como recompensa por diferentes méritos. Estes, no entanto, eram pequenos pedaços de terra de 600 metros quadrados, que o povo apelidou de "seis centos" (isto é, 6x100m).  Nos “seis centos”, as pessoas construíam uma pequena casa e, no que restava do terreno, cultivavam uma horta. Além disso, a “datcha” era um refúgio da vida privada, uma pequena ilha de emigração interna em meio às condições existentes na União Soviética.

Foi mais ou menos nesse formato que as “datchas” passaram a fazer parte da Rússia atual.

De acordo com dados do Centro Nacional de Pesquisas de Opinião Pública, a maioria dos moscovitas passou o verão deste ano não muito longe de casa: 31% nas  “datchas” e 31% na cidade, deixando a área urbana apenas nos finais  de semana. À moda antiga, 62% dos habitantes da capital preferiram o descanso na “datcha” a qualquer outro.

Mas o que é a “datcha”? A Gazeta Russa foi às ruas para pesquisar. Confira:  

Kerstin Holm, jornalista

"A tradição das ‘datchas’ é uma espécie de compensação para os moradores dos centros urbanos pelas precárias condições de vida. Lá, em meio à natureza, as pessoas se deleitam com a pesca, banhos, coleta de cogumelos e com o cultivo de abobrinhas e tomates. Um amigo disse que em Moscou o ar é sufocante e, por isso, temos de ir à sua aldeia natal. A casa de madeira junto a uma estradinha irregular parece o início de um conto de fadas. Caixilhos brancos trabalhados adornam as janelas como colarinhos engomados e numa delas cochila um gato. A anfitriã nos cumprimenta com “golubtsi” (folhas de repolho recheadas de carne moída e arroz). Mas antes temos que suar bastante em uma sauna que exala um tremendo calor”.

Boris Raitchuster, escritor

“’Datcha’ é uma oportunidade para dormir bem, deitar na rede, tomar chá no terraço, ter boas conversas, fazer passeios a pé e curtir longas noites acompanhadas de vinho ou vodka.”

O russo não tem uma resposta definida para explicar o que é “datcha”. Cada um tem a sua própria, porque nela cada um faz exatamente o que gosta.

Zinaída, 73 anos, aposentada

"Há 30 anos seguidos passamos o verão na ‘datcha’. Aqui eu tenho a minha horta: batatas, pepinos, tomates, abobrinha, cebola, cenoura, morango, groselha. Durante o verão, comemos tudo isso diretamente dos canteiros e no inverno, em forma de conservas, lembrando os dias de verão.”

• Da população urbana da Rússia, 48% possui imóveis fora da cidade, que consistem, mais frequentemente, em uma casa de campo para passar o verão (27%).

 

• Em suas terras, a maioria dos proprietários de “datchas” cultiva hortaliças e frutas para consumo da família, planta flores ou simplesmente descansa.

 

• Apenas um número pequeno de pessoas obtém lucros com as suas “datchas”, cultivando produtos agrícolas para a venda ou arrendando-as. 

Víktor, serralheiro, 59 anos

"Construí essa casa com minhas próprias mãos. Assentei cada tijolo. Agora pretendo construir um anexo, uma garagem. A minha esposa se ocupa da horta. Estamos até pensando em criar algumas galinhas quando nós dois nos aposentarmos e mudarmos para cá”.  

Zinaida e Viktor pertencem à geração mais antiga de veranistas. Para eles, a “datcha” representa agricultura de subsistência, um lugar para relaxar a mente e trabalhar fisicamente.

Vasili, engenheiro, 30 anos

"Eu e a minha esposa compramos um terreno quando ficamos sabendo que teríamos um bebê. Ao invés de uma horta, montamos uma área de recreação infantil. Normalmente, vamos para a ‘datcha’ nos finais de semana. Amigos com crianças também vêm frequentemente. Nós, é claro, fazemos churrasco e gostamos de cantar junto à fogueira.”

Assim como fez Vasili, a maioria dos "novos" veranistas compram as suas “datchas”.  Nem todos têm condições financeiras de comprar um apartamento na cidade, mas muitos possuem dinheiro suficiente para adquirir um pedaço de terra fora da cidade.

A URSS distribuía os “seis centos” através das cooperativas anexadas a diversas organizações. Foi por isso que surgiram no mapa da Rússia povoados de escritores, mineiros, artistas, construtores, engenheiros hidráulicos.

Guennádi, dramaturgo, tem sua “datcha” no povoado “O Escritor de Moscou"

"Vou para a ‘datcha’ em busca de privacidade. Mas dificilmente consigo passar um tempo sozinho. Os escritores são pessoas sociáveis e até mesmo sociáveis demais. Se alguém faz aniversário, ou por outro motivo qualquer, obrigatoriamente todos convidam a todos e começa a bebedeira e a folia. Eu evito frequentar esse tipo de reunião ou tento escapar depressa no caso de ser obrigado a ir. Mas, ocasionalmente, é necessário participar delas. Afinal, muito do que não se diz na cidade escapa facilmente ao ar livre e sob o efeito da vodca. Por isso, acontece que muitas coisas acabam sendo resolvidas na ‘datcha’. Eu mesmo tenho uma peça inspirada pelas reuniões de veraneio. No entanto, para a literatura russa isso não é novidade. Todos escreveram sobre as ‘datchas’ -Tchekhov, Dostoiévski e Tolstoi".

Qualquer que seja a “datcha”, grande ou pequena, luxuosa ou mais simples, própria ou de um amigo, ela ocupa um lugar muito importante na vida de um russo. Afinal, é na Ásia que descansam para depois trabalhar melhor. Mas na Rússia, trabalham para descansar. Na “datcha”.

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