Lendo na biblioteca da academia. Foto: Ruslan Shamukov
Quando pensamos em um seminarista, imaginamos um jovem modesto vestido com uma túnica, estudando fervorosamente textos religiosos. Mas no século 21 os seminaristas não só estudam as Escrituras como andam de skate, fazem selfies no topo de edifícios e viram a madrugada aproveitando as Noites Brancas de São Petersburgo.
“Séculos se passaram, mas os estereótipos permanecem”, dizem alguns seminaristas. Vlad Grigorôvitch, por exemplo, é estudante da Academia de Teologia Ortodoxa de São Petersburgo e acredita que cada seminarista tem uma história particular. Ele conversou com a Gazeta Russa sobre seus hábitos e sua visão de mundo.
Vlad Grigorôvitch Foto: Ruslan Shamukov
“Deus me trouxe aqui”
Vlad nunca imaginou que estudaria teologia. Quando era criança, seu sonho era tornar-se bombeiro e realizar resgates. “Meu pai costumava me levar para a igreja na pequena cidade da Sibéria onde vivíamos, e eu gostava de lá, por ser um lugar calmo e bonito. Mas perdi meu pai aos 13 anos e tudo na minha família começou a desmoronar. Uma noite, não consegui dormir porque estava pensando em todas as pessoas que passam por algum sofrimento. Então decidi rezar e me senti melhor”, conta ele.
Aquela noite foi decisiva para a vida de Vlad. Ele começou a frequentar a igreja e ajudar os padres como sacristão. “Uma vez me disseram que eu daria um bom padre, mas na época encarei o comentário como uma piada. Mais tarde, no entanto, percebi que aquela era minha vocação. Não acho que fui eu quem chegou à Igreja, mas sim que foi Deus quem me trouxe aqui”, completa.
“Desde criança torço para o Zenit, time de São Petersburgo, e meu pai sonhava em me levar para estudar na academia do time. Muitos anos depois eu viria para a cidade para prestar exames, mas em uma academia diferente – a de teologia.” Foto: Ruslan Shamukov
O jovem está no segundo ano de estudos na academia e segue a mesma rotina que os outros estudantes. Durante a semana, todos iniciam o dia com uma prece seguida do café da manhã. Então há um intervalo de 30 minutos até o início das aulas, e após três aulas e o almoço os estudantes têm o tempo livre até as 22h, quando começam as preces noturnas. Aos sábados e domingos, os jovens ajudam nas tarefas da igreja.
Vlad aproveita o intervalo para arrumar seus pertences. Foto: Ruslan Shamukov
“Tive que me segurar para não sair dançando”
Uma das grandes paixões de Vlad é andar de skate. “Gosto de andar rápido e fazer manobras. É um dos melhores antidepressivos que existem nestes tempos malucos”, diz.
Andando de skate na Praça do Palácio, em São Petersburgo. Foto: Ruslan Shamukov
Foto: Ruslan Shamukov
Quase todos os amigos de Vlad são também seminaristas. Eles costumam conversar sobre os estudos, travar debates filosóficos e passear pelo centro de São Petersburgo, frequentando cafés e livrarias independentes. Um dos escritores favoritos do jovem é o francês Victor Hugo: “Ele era um verdadeiro cristão e sentia a dor de cada personagem”.
Na livraria. Foto: Ruslan Shamukov
O jovem gosta de música clássica, mas também ouve música contemporânea e trilhas sonoras. A academia de teologia costuma dar ingressos para a Filarmônica da cidade, recitais e concertos no teatro Mariínski. “Uma vez assisti a uma apresentação de jazz e tive que me segurar para não sair dançando”, diverte-se ele.
Vlad com os amigos. Foto: Ruslan Shamukov
Jogador de futebol desde criança, hoje Vlad faz parte do time da academia, que costuma disputar amistosos com crianças de orfanatos e detentos de prisões da região. O seminarista vê essas ocasiões como uma oportunidade para conversar com as crianças e responder suas dúvidas sobre Deus.
“Mais que uma universidade”
Para entrar na Academia de Teologia Ortodoxa de São Petersburgo, cada estudante passa por uma entrevista individual com o reitor. Os estudantes também fazem uma entrevista se decidem se casar. Um dos amigos de Vlad, Sergei, recentemente recebeu a bênção do reitor para se casar. “É uma tradição muito antiga, e já houve casos em que o reitor pediu ao casal que esperasse seis meses antes de se casar e após esse período eles se separaram”, disse Vlad.
Estudantes da academia ajudam em serviços na igreja. Foto: Ruslan Shamukov
Todos os seminaristas prestam serviços para a academia. Alguns são responsáveis pelas páginas da academia nas redes sociais, outros, como Vlad, guiam passeios pela instituição. Seu lugar favorito é a biblioteca, que possui mais de 300 mil livros. Além de literatura clássica e cristã, há volumes raros com mais de 300 anos.
Vlad na biblioteca da academia. Foto: Ruslan Shamukov
“Para mim, a academia é mais que uma universidade. Nem todos os estudantes se tornarão clérigos, o principal objetivo da academia é nos ensinar a nos tornar verdadeiros cristãos”, explica ele.
Nos dias livres, Vlad gosta de visitar o Monastério Costeiro de São Sergius, que fica em Strelna, próximo a São Petersburgo. Ali vive o mentor espiritual do jovem, o padre Andrei. “Posso perguntar qualquer coisa a ele, tanto sobre minha vida na Igreja quando sobre assuntos mundanos, e terei uma resposta cheia de sabedoria.”
No Monastério Costeiro de São Sergius. Foto: Ruslan Shamukov
“Felicidade verdadeira e genuína”
Todos os domingos, Vlad vai ao Centro de Reabilitação da Vida, onde conduz conversas sobre temas éticos e espirituais para pessoas em situação vulnerável: viciados em drogas, sem-teto e desempregados. “Acho que muitas pessoas hoje precisam de fé e esperança, mas eles não procuram a religião por causa dos estereótipos do período soviético, que permanecem vivos até hoje. Perceber que posso mudar essa situação por meio do contato com as pessoas me traz uma felicidade verdadeira e genuína”, conclui Vlad.
No futuro, Vlad quer desenvolver laços internacionais com a Igreja Ortodoxa Russa. Foto: Ruslan Shamukov
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